O conceito de estabelecimento eletrônico

Artigo originalmente publicado no Jornal “Valor Econômico” em 12/12/2011. Segue documento em PDF O conceito de estabelecimento eletrônico

Por Eduardo Fleury

A realidade do comércio varejista no Brasil tem se alterado substancialmente nos últimos anos, especialmente na última década, quando o comércio eletrônico cresceu em ritmo mais acelerado do que o comércio varejista de rua, sendo possível afirmar que as lojas físicas estão sendo substituídas pelas lojas virtuais.

A Constituição Federal determina que, na venda de mercadoria para consumidor final, não contribuinte, o ICMS deve ser integralmente recolhido para o Estado onde está localizado o estabelecimento que promoveu a circulação da mercadoria. Dessa forma, o ICMS exigido sobre a venda efetuada por meio de sites de comércio eletrônico (venda para consumidor final) será recolhido para o Estado onde essas lojas estão estabelecidas e não para os Estados onde estão localizados os consumidores. Tal situação vem acarretando transferência de recursos do ICMS para Estados nos quais as empresas de comércio eletrônico estão estabelecidas, em detrimento dos Estados onde estão localizados esses consumidores.

Em reação à perda de arrecadação foi editado o Protocolo ICMS 21, de 2011, assinado pela maioria dos Estados, exceto os Estados das regiões Sul e Sudeste. Esse acordo determina que, se o consumidor domiciliado em um destes Estados fizer uma compra “não presencial por meio de internet”, o estabelecimento remetente deverá aplicar a alíquota interestadual. A diferença entre a alíquota interna do Estado de localização do consumidor e a alíquota interestadual (diferencial de alíquota) deverá ser recolhido pelo estabelecimento remetente para os cofres do Estado de domicílio do consumidor. Além de contrariar o que dispõe a Constituição, o protocolo exige o diferencial de alíquota mesmo quando a mercadoria seja proveniente de Estado não signatário do acordo, determinação que extrapola a competência de um protocolo.

A solução para o problema criado pelo crescimento do comércio eletrônico pode ser encaminhada via reforma tributária na qual se adote o princípio do destino nas operações interestaduais. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 227, de 2008, propõe alterar o inciso VII do parágrafo 2º do artigo 155 para determinar a aplicação da alíquota interestadual nas operações destinadas à consumidor final ainda que este não seja contribuinte do imposto.

A adoção dessa nova redação é de viabilidade questionável, pois na venda presencial, isto é, quando o consumidor se desloca para outro Estado para fazer compras, também deveria ser aplicada a alíquota interestadual. Tal situação obrigaria o estabelecimento comercial a exigir prova de residência de todos os consumidores.

A solução mais apropriada seria aquela adotada pela Diretiva 2006/112 da União Europeia que regula o IVA Europeu. Nas chamadas operações intra-community o imposto (IVA) deve ser recolhido para o Estado onde o despacho de transporte termina. Assim, se uma mercadoria for vendida por meio de uma loja virtual e enviada para o domicílio do consumidor, o despacho de transporte termina no Estado de domicílio do consumidor e o imposto deve ser recolhido para esse Estado. Por outro lado, se o consumidor se desloca fisicamente para outro Estado para fazer a compra, o imposto é devido nesse Estado, sem ser necessário a identificação do domicílio do comprador. No caso brasileiro, não estaríamos falando do recolhimento integral do imposto, mas apenas do diferencial de alíquotas.

Questão subjacente à edição do Protocolo ICMS 21 é o conceito de estabelecimento comercial no caso das lojas virtuais. Mais ainda, em uma venda on-line, onde está localizado o estabelecimento?

Fabio Ulhoa Canto, em seu curso de direito comercial, afirma que o estabelecimento eletrônico “possui idêntica natureza jurídica que o físico”. No entanto, “a localização do imóvel em que se encontra instalada a empresa não tem a mesma relevância”, pois o acesso do consumidor não se faz pelo deslocamento no espaço.

Se ao aprofundarmos essas discussões teóricas concluirmos, por exemplo, que o estabelecimento eletrônico deva ser considerado como domiciliado no Estado onde entregar mercadorias, teríamos substanciais implicações tributárias, tal como recolher o ICMS integral para o Estado onde está domiciliado o consumidor.

Nos Estados Unidos, onde o comércio interestadual não é tributado e, portanto, a venda interestadual por meio das lojas virtuais não são tributadas, alguns Estados americanos estão editando legislações no sentido de considerar certos tipos de conexão com o Estado como sendo suficiente para definir a localização do estabelecimento. Algumas dessas conexões poderiam ser simples representantes ou sites comissionados pela venda que sejam domiciliados no Estado.

Dada a situação apresentada, nos parece que o conceito de estabelecimento no comércio eletrônico, tanto na lei quanto na doutrina, precisa adquirir melhores contornos, principalmente, no que tange aos efeitos tributários.

Eduardo Fleury é sócio do escritório Fleury Advogados, economista, advogado, especialista em direito de empresas pela Harvard Extension School e master degree in international taxation pela Universidade da Flórida

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