Este artigo foi originalmente publicado no Jorna “Valor Econômico”
Recentemente a Receita Federal encomendou pesquisa à FENACON com o objetivo de calcular quanto tempo demoraria para preencher e entregar todos as declarações necessárias ao pagamento dos tributos no País. O objetivo da Receita Federal seria contrapor a pesquisa realizada pelo Banco Mundial, Doing Business, onde consta que uma empresa brasileira gastaria 2.600 horas por ano para preparar, preencher e pagar os tributos. A FENACON apurou que as empresas gastam 600 horas durante o ano para “preencher e entregar todos os formulários necessários”. Considerando a informação disponível, o estudo da Fenacon/Receita Federal parece ter errado a mão visto que não considerou a etapa de preparação dos dados que, normalmente, toma muito mais tempo do que o preenchimento das declarações.
No entanto, por mais inacreditável que possa parecer, não é este custo, seja de 600 horas ou de 2.600 horas, que causa o maior prejuízo às empresas brasileiras, mas sim a instabilidade das regras e as incertezas geradas por um sistema complexo e irracional.
Um exemplo desta loucura tributária pode ser achado no caso ocorrido recentemente no Brasil onde a justiça brasileira analisou a tributação da farinha de rosca pelo PIS/COFINS. Ao final o STJ decidiu que a isenção de PIS e COFINS sobre produtos da cesta básica não se aplica à farinha de rosca. O mesmo favor fiscal se aplica à farinha de trigo e ao pão, mas não à farinha de rosca. A propósito, farinha de rosca é, segundo a tradição, pão moído ou, em Portugal, pão ralado. Explicando um pouco mais a decisão, pão inteiro é isento, pão moído não. O pior de tudo, sob o ponto de vista do direito tributário, o STJ parece ter razão, mas para este texto não interessa o mérito da decisão.
Para dizer que farinha de trigo e pão são isentos, mas pão ralado não, consumiram-se pelo menos 3 anos. Do ponto de vista de recursos aplicados tivemos um advogado contratado, a procuradoria da Fazenda Nacional designou um procurador para cuidar do caso, vários funcionários da Justiça Federal movimentaram o processo, muito papel foi gasto, um Juiz de primeira instância leu todo o processo, ao menos dois Desembargadores do Tribunal Federal (Relator e Revisor) fizeram a mesma tarefa, e por fim, os Ministros do STJ gastaram seu precioso tempo discutindo as distinções entre pão e pão moído. Ainda é difícil calcular o custo dos processos judiciais no País, mas segundo o IPEA o processamento em primeira instância de uma execução fiscal custava em 2011 cerca de R$ 4.685,39. Se alguém achar que é pouco, lembre-se que em 2014 só a Justiça Federal recebeu 3.306.796 novos processos, segundo o CNJ.
No entanto, o que ocorre fora do Judiciário é ainda pior para economia. Uma empresa padrão passa por várias etapas buscando saber se o seu produto está sujeito ou não a um determinado benefício fiscal. Após gastar algumas horas discutindo internamente, a empresa irá contratar um parecer de um advogado que, pela natureza controversa do assunto, pode afirmar que há possibilidade de êxito em eventual ação judicial ou defesa em caso de autuação por parte da Receita Federal. Cabe a empresa então decidir entre as seguintes hipóteses: pode assumir que o produto é isento e correr o risco de ser autuado pelas autoridades fiscais; pode fazer uma Consulta formal junto à Receita Federal e aguardar cerca de dois anos por uma resposta; ou entrar com uma ação judicial buscando uma resposta final emitida pelo judiciário.
Embora o padrão não seja tão definido, é bastante provável que o fabricante de farinha de rosca menos eficiente irá decidir por assumir o risco e utilizar o benefício fiscal, enquanto que a empresa mais eficiente ingressará com medida judicial, mantendo o pagamento dos impostos até decisão final do judiciário. Este tipo de distorção, onde a empresa mais eficiente perde espaço no mercado para aquela menos eficiente em razão de questões fiscais é muito comum e atinge vários setores. Importante notar que não estamos falando em sonegação, mas sim em questões de interpretação da legislação tributária razoavelmente fundamentadas. Distorções como esta não se resolvem com mais fiscalização por parte das autoridades fazendárias que, de resto, mesmo que resolvesse, também custaria caro para o País.
Na Inglaterra um caso semelhante ocorreu onde a questão era se a batata Pringles era batata ou não para fins de isenção do VAT inglês. Pela sua excepcionalidade o fato foi tratado como anedota pela imprensa europeia e americana. Ao contrário do caso inglês, situações como esta ocorrem aos milhares no Brasil. Explicação para isso é simples, basta dar uma olhada rápida na legislação e concluir que nosso sistema é composto por um número infindável de “exceções” cuja a regra geral é quase uma exceção.
Insegurança tributária faz com que os investidores procurem outros países para investir. As horas gastas para administrar os tributos pelas empresas representam apenas uma parte dos prejuízos causados por um sistema que precisa ser urgentemente reformado. Infelizmente políticos e sociedade ainda não compreenderam a dimensão dos problemas gerados pelo nosso sistema tributário.
Eduardo Fleury é economista (USP), advogado, mestre em Tributação Internacional pela University of Florida, especialista em Direito de Empresas Americanas pela Harvard Extension School e em Corporate International Tax Planning pela Leiden University, Holanda.