O Excise Tax criado pela Reforma Tributária Americana, o princípio do Arm’s Length e os métodos de preço de transferência

Uma das inovações do Tax Cut and Jobs Act (“TCJA”) aprovado pelo Senado norte-americano na última sexta feira (01/12/17) é o excise tax incidente sobre pagamentos realizados por coporations americanas a empresas estrangeiras pertencentes ao mesmo grupo (International Financial Reporting Group[1]).

Esta cobrança tem como objetivo proteger a base tributária americana e foi, em parte, inspirada no Diverted Profit Taxes, instituído na Inglaterra e no Border Adjustment Tax, proposta apresentada por Paul Ryan (House Speaker – Presidente da Câmara), segundo a qual todo pagamento destinado a empresas estrangeiras, do mesmo grupo ou não, sofreria incidência do imposto.

1 – Excise Tax – Formato de Cobrança

O excise tax será cobrado, à alíquota de 20%[2], sobre os pagamentos (specified amounts paid) a afiliadas estrangeiras que sejam considerados despesas dedutíveis para as empresas americanas.  A cobrança só será efetivada para aquelas empresas americanas que pertençam ao mesmo grupo (International Financial Reporting Group ) e que realizem pagamentos intercompany em valor superior à U$ 100 milhões.

As exceções ao conceito de specified amounts são reduzidas, referindo-se a despesas que já possuem regras específicas para a proteção da base tributária americana (ex: juros e pagamento de serviços, cujo método de service cost é aplicado para determinar o preço de transferência).

Do ponto de vista prático, a maioria das empresas americanas não irá recolher os 20% sobre os pagamentos às afiliadas, pois as entidades estrangeiras do mesmo grupo que receberem estes pagamentos poderão optar por tratar esta renda como efetivamente conectada a negócios nos EUA (Effectively Connected Income (“ECI”) with U.S. trade or business). Ao realizar essa opção, a tributação será determinada sobre o ganho líquido (net income), isto é, poderão ser deduzidas as despesas imputadas (deemed expenses) à receita recebida. Sendo assim, o valor a ser recolhido seria inferior em relação àquele resultante da aplicação da alíquota de 20% sobre os pagamentos. Mais ainda, nesse caso, poderia ser deduzido, do imposto a pagar nos EUA, 80% do imposto pago pela afiliada estrangeira no país de seu domicílio.

As despesas imputadas são calculadas aplicando-se um índice de lucratividade em relação à receita. Neste cálculo, o lucro resulta da diferença entre o EBITDA do grupo e o EBITDA das empresas do grupo domiciliadas nos EUA. Para fins de cálculo das receitas do grupo, os valores auferidos pelos entidades domiciliados nos EUA também serão excluídos. Assim, de forma simplificada, o índice calculado irá refletir a lucratividade do grupo fora dos EUA e será aplicado sobre o pagamento realizado, para determinar a parcela tributável pelo imposto de renda americano.

2 – O princípio Arm’s Length e os métodos de preço de transferência

A instituição deste excise tax é uma evidente declaração do Congresso Americano de que os tradicionais métodos de preço de transferência não são suficientes para proteger a base tributária dos EUA. Segundo o relatório do Committee on Ways and Means – House of Representatives de 13 de novembro de 2017, mesmo com uma alíquota de Corporate Income Tax (“CIT”) competitiva (20%), o interesse das corporations americanas em deslocar seu lucro para jurisdições mais favoráveis em termos de tributação continuará existindo. Esta conclusão é reforçada tendo em vista que o regime de participation exemption adotado pelo projeto permitirá a repatriação dos lucros sem incidência do imposto. Vejamos texto do relatório neste sentido:

“The Committee is not persuaded by arguments that once the United States has a competitive corporate tax rate, multinationals will have no incentive to base erode. Indeed, in a participation exemption system, the need for anti-base erosion measures remains critical as long as there are foreign jurisdictions in which corporations can achieve effective tax rates lower than that which they can achieve in the United States. That is to say, until the United States has a corporate tax rate of zero, there will be a need for anti-base erosion measures.”

O mesmo relatório diz reconhecer a importância dos métodos de preço de transferência estabelecidos pelo Código Tributário Americano (Section 482), assim como do padrão Arm’s length para determinar a precificação das transações entre empresas do mesmo grupo[3].

No entanto, no entender do Committee, é claro que os pagamentos intercompany têm um importante papel na erosão da base tributária americana. As premissas do sistema de preço de transferência, lastreadas na remuneração de funções, ativos e riscos assumidos, permitem que as multinacionais tenham:

“…the unique ability to determine which entities will be endowed with the high value assets, complex functions and risk-bearing activities within the supply chain, and thereby justify the higher profits these entities are rightfully deemed to earn under even the most accurate application of section 482 principles”

Assim, os congressistas, ao invés de estabelecerem uma nova provisão para prevenir abusos dos métodos de preço de transferência, preferiram atacar o problema por meio da instituição do excise tax.

A grande questão colocada pelo Congresso americano é que o regime dos preços de transferência baseado na remuneração das funções, ativos e riscos parece não proteger a base tributária de um país como os EUA, que tem um mercado gigantesco e que, simultaneamente, é responsável direto pela criação de parte considerável dos ativos intangíveis (marcas, patentes, etc.). A adoção do excise tax é uma tentativa para “solucionar” este problema.

Uma observação final. Embora o excise tax seja um mecanismo diferente, cabe lembrar que o cálculo das despesas imputadas, na forma estabelecida pelo projeto, flerta com o sistema “Formulary Apportionment”, segundo o qual o lucro de empresas do mesmo grupo poderia ser alocado de acordo com índices calculados a partir de vendas, ativos, empregados ou outros elementos.

3 – O Excise Tax e a Double Taxation

O excise tax certamente resultará em casos de dupla tributação. Tal conclusão é reconhecida pelo próprio relatório do Congresso:

“The Committee recognizes that instances of double taxation are possible when the corresponding foreign jurisdiction also taxes the foreign-earned income. Relief is provided through the allowance of a partial foreign tax credit.”

No caso de a empresa afiliada optar por tratar a renda como ECI, o crédito do imposto pago no país de seu domicílio é limitado a 80%. Embora ainda seja cedo para chegar a conclusões, visto que deverá ser editada regulamentação para este cálculo, é válido ressaltar que esta limitação pode causar problemas de dupla tributação mesmo em países que mantêm alíquotas de imposto de renda maiores que a dos EUA. Tal questão pode ser levada à discussão no âmbito da Organização Mundial de Comércio. Registre-se também que o excise tax não poderá ser reduzido ou eliminado em razão dos Tratados Tributários (Tax Treaty).

[1] Section 163 (n)

(2) INTERNATIONAL FINANCIAL REPORTING GROUP.—

(A) ……., the term ‘international financial reporting group means, ….., any group of entities which

(i) includes—

(I) at least one foreign corporation engaged in a trade or business within the United States, or“

(II) at least one domestic corporation and one foreign corporation,

(ii) prepares consolidated financial statements with respect to such year, and

(iii) reports in such statements average annual gross receipts (determined in the aggregate with respect to all entities which are part of such group) for the 3-reporting-year period ending with such reporting year in excess of $100,000,000.

[2] A alíquota do excise tax corresponde à nova alíquota do Corporate Income Tax (“CIT”) previsto na reforma tributária norte-americana.

[3] “The Committee recognizes the importance and vitality of transfer pricing generally, and of section 482, its regulations, and the vast body of case law and administrative guidance issued to date specifically. The Committee affirms its belief that the arm’s length standard continues to be the foundational principle underpinning the pricing of intercompany transactions”

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